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  • Foto do escritorTatiane Aires

Posso renunciar a direitos em contrato?

1. Introito.


Com base no princípio da autonomia privada dos contratos, a jurisprudência pátria entende que os direitos de natureza eminentemente dispositiva dos contratantes podem ser objeto de restrição, mediante hígido instrumento contratual.


Em outras palavras, é admissível a presença de cláusulas que expressam a renúncia a direitos em contrato.


A admissibilidade da cláusula de renúncias nos contratos decorre do princípio da segurança jurídica das partes.


Isto é: as partes não podem, porque há conveniência na contratação em dado momento, disporem de determinados direitos para, depois, arrependidos, postularem a revisão das obrigações a que se vincularam higidamente sem que haja alguma justa causa para tanto.


Pelo princípio da vinculação obrigatória aos contratos, disposto no CC/02, as partes devem respeito ao que dispuseram em contrato, mesmo no que tange à renúncias, a não ser que, seja possível demonstrar impossibilidade de cumprimento, por circunstância superveniente, ou que não existe mais interesse na continuidade do contrato.


Desta forma, a regra geral é a vinculação aos termos do contrato. Já a revisão: é a exceção!



2. Da análise das cláusulas de renúncia in concreto.


Porém, a linha entre a abusividade e a legalidade de uma cláusula restritiva de direitos é muito tênue.


Porque, com algum deslize das partes, a renúncia poderá ser considerada nula em âmbito judicial, por violar questões sensíveis a que não se admite a disposição contratual.


Isto é, não se pode admitir, mesmo pelo princípio da vinculação obrigatória, que ocorra o desrespeito a princípios constitucionais ou a direitos públicos.


Vejamos:


a) Cláusula de renúncia do direito de ação.


O STJ entendeu que tal cláusula é, não só abusiva, como inconstitucional, por violar o princípio da inafastabilidade de jurisdição.


Na renovação do contrato, o consumidor poder aderir a novo plano perante os serviços da empresa, e, com isso, implicará em renúncia tácita às regras anteriores.

Porém, não se admite condicionar a adesão ao novo plano à desistência de ações que se baseiam em direitos ao plano anterior, porque implicará em afronta ao acesso ao judiciário.

Isto é, implicará em renúncia a direito constitucional, direito este que não pode ser objeto de disposição contratual.

b) Cláusula de renúncia ao direito à exoneração da fiança nos contratos urbanos.


A jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de ser válida a cláusula que estabelece a prorrogação automática da fiança juntamente com a do contrato principal.


Com efeito, não há falar em nulidade da disposição contratual que prevê prorrogação da fiança, pois não admitir interpretação extensiva significa tão somente que o fiador responde, precisamente, por aquilo que declarou no instrumento da fiança.


Porém, é reconhecida a faculdade do fiador de, no período de prorrogação contratual, promover notificação resilitória, nos moldes do disposto no art. 835 do Código Civil.


E se tiver a cláusula de renúncia à exoneração de fiança?


Para o STJ (REsp 1673383 ) esta cláusula é válida durante o prazo determinado inicialmente no contrato; uma vez prorrogado por prazo indeterminado, nasce para o fiador a faculdade de se exonerar da obrigação, desde que observado o disposto no art. 1.500 do CC/16 ou no art. 835 do CC/02.

Como assim?


A cláusula de renúncia à exoneração é lícita enquanto perdurar a validade do contrato principal, tendo em vista o princípio da proibição do ato contraditório das partes nos negócios jurídicos.

Assim, cabe ao fiador, acaso almeje a sua exoneração, realizar, no período de prorrogação contratual, a notificação prevista no art. 835 do Código Civil, mesmo quando haja expressa renúncia ao direito à exoneração, mas antes do início da inadimplência e cobrança pelo afiançado do fiador do crédito por ele garantido.


Pelo CC/02, após a notificação do credor de sua exoneração, ainda perdurará a vinculação do fiador ao contrato por 60 dias, findo os quais, os efeitos jurídicos da fiança cessam.


Mas, vejam que, em caso de contrato de prazo indeterminado, o entendimento da doutrina (Fábio Ulhoa Coleho) é outro:


“Quando a fiança é outorgada por prazo indeterminado, ou sua vigência não se encontra condicionada à do contrato principal, o fiador pode denunciar o contrato unilateralmente, sempre que lhe convier fazê-lo. Para tanto, deve notificar o credor em juízo (Monteiro, 2003, 5:386). A exoneração só produz efeitos depois de transcorridos sessenta dias da notificação (CC, art. 835)”. (Curso de Direito Civil - Contratos, V. 3, 1ª ed em e-book, Ed. RT, 2016, item 4.4.2, sub item e)

Isto é: quando o contrato for de prazo indeterminado, a cláusula de renúncia à exoneração da fiança passa a ser abusiva, nas palavras de Daniel Carnachioni:


“Como o contrato de fiança tem natureza benéfica e não poderá ser interpretada de forma extensiva, eventual renúncia do fiador ao direito de exoneração não teria qualquer efeito em contratos sem prazo determinado. Trata-se de norma de ordem pública. A renúncia prévia ao direito potestativo de exoneração é ineficaz. A garantia não pode ser perpétua.”
(in Curso de Direito Civil - Contratos em Espécie, 1ª ed. em e-book, Ed. RT, 2015, Cap. 11, sub item 11.3.12).

Vejam, quão tênue pode ser a cláusula de renúncia a direitos em contrato.

Por um lado, pode ser a salvaguarda, de outro, pode não ter qualquer validade perante as partes.

c) Cláusula de renúncia à indenização às benfeitorias úteis e necessárias na locação.

O comando legal do art. 35 da Lei 8.245/91, em sua primeira parte, prevê que as benfeitorias podem ser alvo de indenização, na hipótese de não haver disposição contratual expressa, em sentido contrário.

Assim, nos termos da Súmula 335/STJ: "Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção."

 

E nos contratos de locação rurais?

Os contratos de direito agrário são regidos tanto por elementos de direito privado como por normas de caráter público e social, de observação obrigatória e, por isso, irrenunciáveis.


Existe, nestes contratos, como finalidade precípua: a proteção daqueles que, pelo seu trabalho, tornam a terra produtiva e dela extraem riquezas, conferindo efetividade à função social da propriedade.


Porém, apesar de sua natureza privada e de ser regulado pelos princípios gerais que regem o direito comum, o contrato agrário sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado.


Desta feita, nos contratos agrários, é proibida a cláusula de renúncia à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso ((REsp 1182967/RS).


É de se destacar que é da praxe do direito agrário, conforme se percebe de diversas passagens da norma, a utilização da benfeitoria como forma de compensação/indenização no âmbito de seus contratos, motivo pelo qual eventual cláusula de renúncia será considerada abusiva e sem qualquer efeito no contrato.

3. Conclusão

Poderíamos continuar, de forma infindável, a análise das cláusulas contratuais de renúncia a direito e tecer comentários de validade, eficácia, ou inconstitucionalidade, perante julgados pátrios.


Mas, frente ao que acima expomos, possível perceber que a validade de cláusulas contratuais, no geral, é um terreno arenoso, que possibilita inúmeras possibilidades interpretativas, bem como quanto à validade e efeitos jurídicos entre as partes.


E tal incerteza se agrava ao se tratar de cláusula a que as partes renunciam a possibilidade de exercer direitos!


Muito mais difícil alegar categoricamente quais efeitos jurídicos serão aplicáveis caso a caso no que tange à renúncia de direitos.


Assim, quando da pactuação de cláusulas contratuais, procure garantir a validade dos termos assumidos, bem como dos direitos a que está sendo renunciado, pois somente assim, será possível resguardar a vinculação obrigatória ao contrato, proibição ao ato contraditório, e à boa-fé durante a vigência do negócio jurídico.


Quer se blindar contratualmente? É possível, desde que se faça com o uso adequado das cláusulas contratuais e de renúncia! Não caia em cilada com o uso inadequado das cláusulas.

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